
*Yuno Silva
Um movimento silencioso surge em meio à maior reserva natural de carnaúba da América do Sul. A pequena cidade de Carnaubais, com seus cerca de 10 mil habitantes assiste de camarote uma mobilização cultural que começa a ganhar corpo e mostrar a cara — nada a ver com simples festas regadas a brega e forró, a Coordenação de Cultura do município (ligada à Secretaria de Educação) resolveu quebrar o 'protocolo' ao realizar um evento multicultural gratuito na praça principal.Apesar de a proposta do assessor cultural Zelito Coringa — de fazer a esfera 'praça-igreja-missa-parque-prefeitura-delegacia-escola-cineteatro sair da inércia — ter sido boicotada num primeiro momento pelo próprio poder público, Zelito conseguiu o que queria: despertar a população para seus referenciais. Nestes tempos de globalização desenfreada, a diferença está justamente na essência.Ator, músico e poeta, Zelito Coringa e sua equipe da assessoria cultural de Carnaubais colocaram lenha na caldeira da auto-estima ao promover a primeira edição do Festival Semearte, onde a cidade mergulhou — por uma semana — em uma intensa programação com debates, shows, apresentações de grupos de teatro locais e saraus poéticos. Até o cine-teatro São Luiz, único espaço na cidade com estrutura para exibir vídeos e receber espetáculos, aproveitou o movimento para sessões extras.O debate, cuja pretensão era ser considerado o Iº Fórum Municipal de Cultura, atraiu pouco mais de 20 pessoas, porém, com representatividade satisfatória, o grupo legitimou a conversa sobre leis de incentivo, fundos de cultura, relação cultura x mídia, mobilização social, mapeamento artístico-cultural e funcionamento/adesão ao Sistema Nacional de Cultura. Questionamentos como cultura versus entretenimento, e concessões de rádios comunitárias também foram levantadas.O lado pop da poesia popularO que mais impressiona nesta típica cidade do interior nordestino, com direito a pracinha, roda-gigante, bêbado, fofoqueira e louco, é sua ligação com a literatura de cordel. Nos muitos intervalos da programação, na hora do almoço, em qualquer lugar, não importava... se achasse conveniente, o poeta cordelista Antônio Francisco — membro da Academia Brasileira de Literatura de Cordel (com sede no Rio de Janeiro) desde outubro de 2005, onde ocupa a cadeira do patrono Patativa do Assaré — derramava sem dó seus versos politizados e sempre bem humorados. Com tudo na ponta da língua, esse mossoroense de 57 anos não dava chances à falta de atenção do público.Observações desconcertantes a partir de uma poética simples, por vezes pueril, como esses trechos da extensa Os sete constituintes ou os animais têm razão: “O porco dizia assim: já sujaram os sete mares / do Atlântico ao Mar Egeu, as florestas estão capengas, os rios da cor de breu / E ainda por cima dizem que o seboso aqui sou eu” ou ainda “A vaca se levantou e disse franzindo a testa / ‘Eu convivo com o homem, sei que ele não presta / É um mal-agradecido, orgulhoso, inconsciente, / é doido e se faz de cego, não sente o que a gente sente / E quando nasce toma a pulso o leite da gente”.Na praça lotada, a fascinação pelo poeta faz ‘coraçõezinhos’ baterem mais forte: “Gosto muito dele, li vários livros seus mas ainda não o conhecia pessoalmente”, disse Aldinete Sales da Silva, 19, após descer do palco onde declamou Os sete constituintes... ao lado do ídolo. Atriz desde 1999 e vestibulanda de letras em 2005, Aldinete mora no sítio Casinhas, a 30 minutos “di péis” do centro de Carnaubais. Considerado um fenômeno teatral pelo assessor de cultura da cidade, o grupo do sítio Casinhas é autodidata e desenvolve a própria linguagem na hora de interpretar. Durante o evento, o grupo apresentou o julgamento do personagem João Grilo — fragmento cênico do Auto da Compadecida , de Ariano Suassuna.“Só a banda não iria preencher a gente, esse povo todo também precisa de poesia”, aposta Aldinete. Limpeza do egoUma nova rajada de raios subliminares, e entra em cena a Trotamundos Companhia de Arte. Trupe formada por Coringa, Beto Vieira, Mazinho Viana, Dudu Campos e Ana Celina, a Trotamundos encenou o espetáculo (no cine-teatro São Luiz) Coivarins: sete notas de Cordel em cena, vencedor do prêmio de Melhor Trilha Sonora Original no Festival de Teatro Potiguar 2005 (Dudu Campos, Mazinho Viana e Zelito Coringa).Com textos de Antônio Francisco e Zelito, direção de Nonato Santos e Beto Vieira, Coivarins pode ser encarado como um ritual de purificação do ego através do fogo. A origem da palavra vem do vocábulo coivara, que segundo o Aurélio significa “restos ou pilha de ramagens não atingidas pela queimada, na roça à qual se deitou fogo, e que se juntam para serem incineradas a fim de limpar o terreno e adubá-lo com as cinzas, para uma lavoura”.Conduzidos pelo cordel e por experiências sonoras executadas ao vivo, os “Etlogents” — seres elementais que guardam o saber do Coivarins — plantam novas sementes cidadãs na platéia, com mensagem que pregam amor ao próximo, respeito à natureza e valorização das tradições. Depois, na praça principal a 150 metros do São Luiz, o boi de Reis da cidade vizinha de Porto do Mangue encerra a Semana de Arte com orgulho e brilho nos olhos. O mesmo brilho que nos faz crer em tempos melhores.
NOTA DO BLOG:
Esta matéria foi escrita pelo Jornalista Yuno Silva ao prestigiar a Iª SEMEART - Semana de Arte e Cultura de Carnabais em Setembro de 2005 - Publicada no Site: Com comentários de Hermano Viana (Irmão de Hebert do Paralamas do Sucesso) http://www.overmundo.com.br/
NOTA DO BLOG:
Esta matéria foi escrita pelo Jornalista Yuno Silva ao prestigiar a Iª SEMEART - Semana de Arte e Cultura de Carnabais em Setembro de 2005 - Publicada no Site: Com comentários de Hermano Viana (Irmão de Hebert do Paralamas do Sucesso) http://www.overmundo.com.br/
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